A PRINCESA E O CAVALEIRO
A PRINCESA E O CAVALEIRO



"A WOMAN'S LIFE

IN A SINGLE DAY
JUST ONE DAY

AND THEN THAT DAY

HER WHOLE LIFE"
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eletroconvulsoterapia

ganhei de presente de mamis o livro o demônio do meio-dia, de andrew solomon. não conhecia ninguém que o tivesse lido, até que ele me mostrou ela, que lindamente escreveu sobre. foi inclusive por isso que fiquei com vontade do livro.

é o trabalho mais completo sobre depressão que já li. trechos lindos, trechos chatos porém importantes, trechos e mais trechos que muito poderia comentar. mas me decidi por um assunto que nunca falei e que por muito tempo ficou guardado comigo. a eletroconvulsoterapia, o eletrochoque, ou ECT, para os mais íntimos. e é em meio às palavras de solomon que escrevo minhas impressões.

“A ECT é ainda o tratamento mais estigmatizado que existe. “Você se sente um Frankenstein””, diz Manning. “Ninguém quer falar sobre o assunto. Ninguém lhe traz caixas de chocolate quando você está passando por uma ECT. É muito solitário para a família.” Além disso, todo o conceito do tratamento eletroconvulsivo pode ser traumatizante para o paciente.”

embora seja verdade, nunca contei meu tratamento de eletroconvulsoterapia mais pelo trauma que pela capacidade de estigmatizar uma pessoa. ainda tive a alegria de, não só a família, mas grandes amigas estarem ao meu lado nesse momento. imagino o tamanho da dor do meu pai e irmão ao me verem saindo da anestesia. sem conseguir me manter de pé, sem enxergar o mundo ao meu redor direito, um corpo apenas. e ser esse corpo apenas durante pouco mais de um mês. imagino inclusive a dor da minha mãe, não podendo estar junto num momento tão... frágil e difícil.

jamais esqueço isso. é um eterno “obrigada” a vocês.

quando passei pela ECT, sete anos atrás, estava no que chamam à beira da loucura, então meu psiquiatra apresentou essa alternativa, e agarrei-me a ela com o resto de forças coerentes que encontrei. era uma época não diferente de outras, escondia ao máximo meu estado para não mais preocupar o que já preocupava minha família. não lembro quando, nem como falei para eles, mas lembro que pedi o consentimento dos meus pais para o tratamento. lembro que tinha na ponta da língua todo o processo pré, o próprio ECT e dados positivos pós-ECT. mas dados, hoje sei, foram meros dados para mim, muito diferente de passar pela própria terapia.

“o eletrochoque funciona rapidamente. muitos pacientes sentem-se radicalmente melhor em poucos dias. o que é uma grande vantagem em relação ao processo lento da medicação. o eletrochoque é especialmente adequado para pessoas que têm fortes tendências suicidas – pacientes dados ao autoflagelo e que portanto correm sérios riscos de vida - , devido à sua ação rápida e seu alto índice de sucesso. ele pode ser aplicado em mulheres grávidas, em pessoas doentes e nos idosos, já que não apresenta os efeitos colaterais sistêmicos ou problemas de interação com drogas da maioria dos medicamentos.”

...

COMO ACONTECE:
“Os pacientes são submetidos a alguns exames de sangue rotineiros, um eletrocardiograma, geralmente a uma radiografia do tórax e alguns exames relacionados à anestesia. Aqueles que forem considerados aptos a passar por um tratamento de eletrochoque assinam formulários de consentimento (também apresentados às suas famílias). Na noite anterior ao tratamento, o paciente jejua e recebe um soro intravenoso. Pela manhã, é levado para a sala do eletrochoque. Depois de o paciente ser ligado a monitores, atendentes médicos colocam um gel em suas têmporas e lhe aplicam eletrodos. O tratamento pode ser unilateral, apenas no lado não dominante do cérebro (geralmente para o cérebro direito) – que é a estratégia inicial preferida -, ou bilateral. O eletrochoque unilateral tem menos efeitos colaterais, e pesquisas recentes mostram que, em doses altas, é tão eficaz quanto o tratamento bilateral. O médico que administra o tratamento também escolhe entre o estímulo de ondas seno, que provoca um estímulo mais continuado, e estímulo de impulsos breves, que induz convulsões com efeitos colaterais menores. É aplicada então uma anestesia geral intravenosa de curta duração, que colocará o paciente inteiramente fora do ar por cerca de dez minutos, e um relaxante muscular para prevenir espasmos físicos (o único movimento durante o tratamento é um ligeiro torcer dos dedos dos pés – diferente da ECT da década de 50, em que as pessoas se debatiam e se feriam). O paciente é conectado a uma máquina EEG e a um eletrocardiograma (EKG), de modo que seu cérebro e seu coração sejam monitorados o tempo todo. A seguir, um choque de um segundo causa uma convulsão na têmpora e no vértice do cérebro que geralmente se estende por 30 segundos – período suficientemente longo para mudar a química do cérebro, mas não para queimar a massa cinzenta. O choque geralmente é de 200 joules, o equivalente à potência de uma lâmpada de 100 watts. A maior porção da descarga elétrica é absorvida pelos tecidos moles e pelo crânio, apenas uma fração minúscula chega ao cérebro. Em dez ou 15 minutos, o paciente acorda na sala de recuperação. A maioria das pessoas que recebe eletrochoque tem 10 ou 12 tratamentos durante cerca de seis semanas. Cada vez mais a ECT está sendo administrada em pacientes externos.”

...

“A ECT causa distúrbio da memória a curto prazo e pode afetar a memória de longo prazo. Os distúrbios são geralmente temporários, mas alguns pacientes têm encontrado lacunas permanentes na memória.”

eu sei que funciona, vi os pacientes ao meu lado melhorando a cada sessão. mas para mim foi traumatizante desde a primeira aplicação. o efeito da anestesia passou rápido demais, ouvia os médicos conversarem, ainda respirava através do suporte (não lembro o nome) que colocam na boca e nariz e, ao mesmo tempo, de “x” em “x” segundos (que me pareciam a eternidade) retiravam o oxigênio de mim, o ar não vinha, não conseguia falar por estar paralisada pela anestesia, desespero. somando-se a isso, tive um grave problema com uma psicóloga do hospital, o que intensificou meu medo naquele período, problema ao ponto dela, nada profissional, felizmente ser retirada da equipe da ECT. com o fim do tratamento tive crises de pânico e não conseguia ficar só, menos ainda ir a lugares sozinha, nem estar com muita gente por perto.

“a ECT fora perturbadora demais para ter valido a pena. até que eu lhe sugeri que a ECT devia ter apagado a lembrança de seu estado antes do tratamento.”

hoje, lendo esse trecho e sobre a memória recente que se perde, é verdade, o mal que sentia, o desespero de me ver enlouquecendo, as psicoses, tudo sumiu. talvez porque ficara concentrada nos ataques de pânico e o medo tenha me tomado, mas talvez, e hoje penso que certamente, porque o ECT também me ajudou, a melhora não ocorreu apenas com os que se tratavam comigo.

mas a questão da memória também muito afetou. antecipadamente sabia que ocorreria, mas não sabia o que era passar por aquilo, fiquei perturbada. era fim de ano, virada de ano, festa com amigos e familiares, e eu não lembrar das pessoas e conversas e momentos ao lado das pessoas, foi-me dolorido demais. não consegui nem chegar à imperdível festa de ano novo com medo de estar no meio de um monte de gente e lembrar tão pouco o que eu e eles éramos naquele momento. em lágrimas voltei para casa e sozinha desci a rua de volta para cá. não houve festa de ano novo, não havia o que eu pudesse comemorar.

no fundo o que me faltou foi um amparo psicológico d’um profissional que não apenas entenda o processo, mas o aceite. era muito nova e tudo fora grandioso (chocante demais, ho ho ho) comigo. meu médico, psiquiatra, do primeiro dia que se deu o problema anestésico em diante compareceu às sessões para me acompanhar, mas o papel dele é limitado em tempo, então, em conversas pós ECT, ou ao longo dos dias. eu era livre para ligar para ele quando quisesse, eu sabia, mas a gente não liga, eu, quando estou mal, não ligo. aliás, por muito menos ligo, quem dirá quando passando por tudo isso.

E HOJE, FARIA DE NOVO?
tantos medos, tantos traumas. até pouquíssimo tempo atrás diria, com todas a letras, bem alto, bem claro, NÃO.

mas é tanta coisa que muda, especialmente quando um trauma acaba.

eu faria SIM. e farei, quando, por exemplo, engravidar e não puder ficar sem a medicação e sem tratamento, ou envelhecer e por acaso precisar de outros remédios que não possam ser tomados com estes meus. sem trauma, mais madura e, nossa, tendo a experiência passada, passo pela ECT, mas dessa vez com uma ressalva:

não dispensarei o apoio psicológico.

posted by safiri @Friday, October 14, 2005

"se vos falei de coisas terrestres, e não crestes,
como crereis, se vos falar das celestiais?"
joão 3:12


a princesa eo cavaleiro



















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